Memórias de Salgueiro Maia
Nada melhor para quem estiver interessado em histórias da guerra do Ultramar do que ler o “Capitão de Abril” de Salgueiro Maia.
Escrito de uma forma viva, muito pessoal e agradável onde não falta a clareza e uma pitada de humor, este livro transporta-nos aos tempos das campanhas africanas, à revolução de Abril e aos tempos difíceis que se lhe seguiram.
Mas o melhor é deixar falar o seu autor, pelo que passo a transcrever alguns excertos que considerei mais interessantes:
Sobre a Guiné (Guidage, Maio de 1973):
«O IN passou a utilizar mísseis terra-ar, do que resultou serem abatidos um avião DO27 que acabava de evacuar feridos da pista de Guidage, um avião T6 de uma patrulha de dois que foram ver o que tinha acontecido ao DO27 e um avião Fiat G91. Dos aviões abatidos resultou a morte de todos os ocupantes do avião DO e de um dos outros pilotos, pois um deles pôde ser recuperado depois de se atirar de pára-quedas. (pag. 63)
[...]
Pelas 19 horas, esgotados, chegámos a Guidage, que ao anoitecer tinha um aspecto irreal. O chão estava lavrado por granadas, as casas, todas atingidas, pareciam ruínas, os homens viviam em buracos, luz e água não havia. (pag. 69)
[...]
Nas minhas visitas pelos escombros, desci ao abrigo da artilharia, onde houvera quatro mortos e três feridos graves. O abrigo fora atingido em cheio por uma granada de morteiro 83 com retardamento; [...] o chão tinha um revestimento insólito — consistia numa poça de sangue seco, de cor castanha, com 2mm a 3mm de espessura, rachada como barro ressequido. (pag. 71)
Sobre Moçambique.
A alimentação consistia em dobrada liofilizada que, ao ser recuperada em água, deitava um cheiro nauseabundo, capaz de tirar o apetite mesmo ao mais esfomeado; bacalhau, conservado na maior parte das vezes em latas de cal, tipo caixão; atum e salsichas, para acompanhar com arroz e massa; a batata e os vegetais era raro aparecerem; carne, só de caça, pois a congelada também não aparecia... (pag. 79)
Sobre o dia 25 de Abril de 1974
A marcha para o Carmo foi extraordinária pelo apoio popular que agregou, o que contribuiu bastante para que o Carmo perdesse a vontade de resistir. (pag. 94)
[...]
... dizendo serem eles os mensageiros do general Spínola.
Deixo-os entrar no Quartel mas depois começo a desconfiar nos mensageiros, pois deveria ser o general Costa Gomes a comparecer, visto ter sido para isso o mais votado pela Coordenadora. (pag. 95/96)
[...]
O general Spínola chegou com Dias de Lima, não respondeu sequer ao meu cumprimento militar e assumiu um ar de quem tinha ali sido chamado para resolver uma situação crítica com a qual nada tinha a ver. (pag.97)
[...]
Foi falar a sós com Marcelo e veio de lá com ar de dono da Guerra! (pag. 97)
[...]
É na sequência disto que não compareço na tomada de posse de Spínola... (pag.98)»