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QUANTO MAIS QUENTE MELHOR

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NUNCA POR CALADOS NOS CONHEÇAM

Moçambique, 1966

Azeite e vinagre
 
  
Terras de Macondes (Imagem adaptada do Google Earth)
 
O sargento das transmissões, com ar de caso, passou-me para a mão uma mensagem insólita. O texto parecia estranho…
Não contive o riso, porque sabia bem o significado de tão desusada missiva. Com efeito, na véspera, vindo de Mueda em coluna militar, e a pedido do comandante da Companhia de Miteda, fiz um desvio para deixar alguns mantimentos em Nangololo. Esta localidade era apenas o que restava de uma missão católica, abandonada desde o começo da rebelião no planalto de Mueda. E. para que a guerrilha não a destruísse, foi decidido que lá permanecesse um pelotão (cerca de trinta homens) a garantir a segurança. Não dispondo de pista de aterragem para aviões ligeiros, só podia ser reabastecida por terra, embora eventualmente fossem lançados de avião sacos de correio e alguns mantimentos que resistissem à queda.
Nangololo não ficava em caminho, mas era uma autêntica obra de caridade andar mais uns quilómetros para evitar que se corresse o risco inerente a uma coluna auto, só para transportar umas dezenas de quilos. Naquelas paragens — estou a falar do célebre planalto de Mueda — as picadas estavam infestadas de guerrilheiros que, a cada passo, nos contemplavam com emboscadas, flagelações e minas.
Porém, ao receber a encomenda, o sargento encarregado dos géneros alimentícios de seu nome (real) Vinagre ficou horrorizado quando verificou que se tinham esquecido de fornecer o precioso azeite, sem o qual quase nada se pode cozinhar. Pediu-me então que, quando o avião dos frescos aterrasse em Muidumbe, a sede da minha Companhia, eu pedisse ao piloto para lançar uma lata de azeite no terreiro em frente da igreja.
— Mas isso é uma loucura. Não temos pára-quedas e a lata vai rebentar ao bater no chão. Isto se o piloto conseguir acertar com ela no vosso terreiro. O mais provável é cair no mato e os “turras” ficarem com o azeite.
Mas o sargento estava inconsolável. Fez-me prometer que eu faria uma tentativa. E que me enviaria uma mensagem a lembrar.
Chegado ao meu destino, mal recebi a mensagem misteriosa, mandei meter num saco de farinha uma lata envolvida em capim e, dias depois, convenci um piloto a fazer tiro ao alvo com ela…
E foi então que o sargento das transmissões percebeu a mensagem subjacente ao texto que me apresentara dias antes. Porque nele apenas constava:
vinagre se possível azeite”.
 
Igreja da Missão de Nangololo (Imagem actual captada na NET)
 
Muidumbe - 1966 - o avião dos frescos e do correio (DO27)
 
 
À laia de epílogo: Já que a história é verdadeira, sem tirar nem pôr, falta dizer o que aconteceu com o azeite. Para desgosto de todos, perdeu-se porque a lata rebentou ao cair.
 
 

6 comentários

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    Fernando Vouga 24.04.2013 10:11

    Caro amigo

    Mais uma vez, obrigado por mais uma bela história a recordar velhos tempos.
    Um abraço
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    Rocha 07.05.2013 22:17

    Fernando Vouga
    Caro amigo
    Mais uma brincadeirinha, sem pedir nem esperar agradecimento:
    POR TERRAS MACONDES

    Nangololo é uma prisão/Mas ninguém chora pelos cantos/Quem dorme dentro da Igreja/Lá reza, joga e vê os Santos

    Amanhã vou para Miteda/Nomadizar, sempre alerta/Fosse eu à praia a Mocímboa/Enchia o olho pela certa!

    Não ia para ver cachopas/Não sou assim depravado/Ia ver os batelões/Onde fui desembarcado

    E passava por Mueda/Sagal, Curva-da-Morte/Se perdesse só uma perna/Diria que tive sorte!

    Pensaria, ao regressar/A Nangololo, à missão/Ainda me falta outro ano/Um tempo do caralhão!

    2013-05-07
    Rocha
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    António Sousa Maciel 20.05.2013 18:06

    Amigo Rocha, julgava que guardava essas histórias para a página da 18.ª e afinal também anda por estes lados.
    Ó Nangolo que aqui te escondes/Terra de turras e de Macondes. Ai é só mato É mato grosso/Quem faz patrulhas não faz por gosto/É campim loiro, capim dourado/deita-se o fogo, tudo acabado/Eu já estou farto, já estou cansado/Quero ir embora para outro lado.
    Nangololo, 1969/70.
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    Fernando Vouga 24.05.2013 13:55

    Caro amigo

    Seja bem aparecido.
    Gostei do poema

    Um abraço
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    António sousa Maciel 12.06.2013 15:31

    Para o Fernando Vouga e para o Rocha.
    Música: If You're Going To San Francisco
    Letra:

    Se tu fores a Nangololo,
    leva flores p'ro teu caixão,
    porque em terras de Nangololo
    aquilo não anda nada bom.

    Há minas pelas picadas
    Há turras nos matagais
    Há peitos dilacerados
    E bocas soltando ais.

    Se tu fores .......

    Um abraço
    Maciel
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